R. Reuven Zaed

Tu Bishvat significa em hebraico "o dia quinze do mês de shevat". Essa data foi escolhida para o começo do ano das árvores por um motivo prático: esse dia marca o fim da época das chuvas em Israel e o início do brotamento das novas frutas nas árvores. Desse modo, as novas frutas começam a nascer com o novo ano. Apesar de esse dia ser o ano novo das árvores, ele não altera em nada o nosso cotidiano; trabalha-se normalmente no dia 15 de Shevat. Não há nenhuma prece especial durante as orações com uma menção especial referente ao dia; apenas não pronunciamos o Tachanun. Além disso, costuma-se comer frutas no Tu Bishvat.
Nossos sábios nos dizem que este dia é mais que simplesmente o início de um novo ano para efeito das leis referentes às árvores. Ele é realmente o "Rosh Hashaná" das árvores. Ou seja, da mesma forma que em Rosh Hashaná os homens são julgados, em Tu Bishvat as árvores são julgadas. Neste dia é decidido quais árvores vão viver, quais vão morrer e qual será a produção de cada uma durante o ano que inicia.
Quando nossos sábios nos transmitiram essa informação sobre o dia de Tu Bishvat, com certeza quiseram nos ensinar algo mais que puramente um dado botânico. Existe, certamente, por trás desta informação, algum ensinamento para nós seres humanos. Ainda mais quando sabemos que o homem foi comparado pela Torá à árvore, como está escrito (Bamidbar 20:19): "Pois o homem é a árvore do campo".
Antes de mais nada, surge a seguinte pergunta: que julgamento cabe às árvores? Afinal, elas não possuem o livre arbítrio e não podem fazer nada de errado, não sendo, portanto, passíveis de julgamento.
Vejamos uma passagem curiosa da Torá sobre um fato acontecido durante a criação da vida vegetal, para aprendermos uma lição relacionada às árvores. Apesar de sabermos que as árvores não têm livre arbítrio, constatamos no relato da Torá sobre a Criação do Mundo, que a terra fez um pecado que nunca foi perdoado. Está escrito (Bereshit 1:11): "E disse D'us: 'Produza a terra... árvore de fruta que dá fruto...'".
Notamos nesse versículo dois mandamentos Divinos. O primeiro para que a árvore seja "árvore de fruta", ou seja, que a própria árvore seja comestível, uma fruta. O outro mandamento, "que dá fruto", para que desta árvore nasçam frutas. A terra, porém, não respeitou este decreto Divino em sua totalidade; simplesmente renegou a lei referente à própria árvore ser comestível. Se essa ordem tivesse sido acatada, hoje poderíamos comer uma "saborosa madeira". Do mesmo modo que existe o pecado com relação à terra, existe a mesma possibilidade com respeito às árvores.
Apesar de entendermos melhor agora o conceito de julgamento em relação às árvores, já que vemos que elas poderiam pecar, a pergunta continua: como a terra pecou se ela não tem a chance de uma escolha própria? Como conseguiu desobedecer a uma ordem Divina? Essa pergunta é respondida pelo "Or Hachayim", o Rabi Chayim Ben Atar zt"l. Ele explica que realmente a terra não pode desobedecer a um mandamento Divino, porém, cabe a ela interpretar cada mandamento e executá-lo. Assim, a terra não soube interpretar corretamente a vontade Divina e cometeu este pecado. A partir desta explicação do Or Hachayim, podemos tirar um grande ensinamento para nós, relacionando o julgamento da terra – e analogamente, o das árvores – com o nosso próprio julgamento.
Nós estamos acostumados a qualificar nossas atitudes de duas maneiras: as atitudes que cometemos propositadamente e conscientemente, e por essas atitudes devemos prestar contas se erradas; e, por outro lado, as atitudes que cometemos involuntariamente, sem intenção. Sobre estas, mesmo quando erradas, consideramos que não são passíveis de punição. Apesar disso, entendemos que existe certo grau de responsabilidade por não termos tido a devida atenção antes de efetivá-las. Em resumo, podemos definir essas duas categorias como atos feitos "de propósito" e atos feitos "sem querer". Existe, porém, uma terceira categoria de atos. Os procedimentos que são totalmente inconscientes, que fazemos de forma instintiva, automaticamente, quase como um reflexo condicionado.
Por exemplo: quando colocamos um alimento na boca, nós instintivamente o mastigamos. Quando andamos, colocamos uma perna em frente à outra sem pensar em cada movimento que fazemos – apenas andamos. Isto porque aprendemos a andar e a comer quando éramos pequenos e este comportamento passou a fazer parte da nossa natureza.
Existem ainda dezenas de exemplos desse tipo de ações, realizadas instintivamente, no nosso dia-a-dia: olharmos para um relógio que está há muito tempo na parede, apertarmos o botão do andar no qual moramos ao entrar no elevador, etc. Se um relógio de parede for tirado do seu lugar, antes de nos acostumarmos com a nova posição, instintivamente olharemos para o lugar vazio da parede onde ele sempre esteve. Da mesma forma, será difícil se acostumar com um botão diferente no elevador se mudarmos de apartamento.
Essas ações instintivas são como o "crescimento de árvores" em nossa vida. Fazem parte do lado "vegetal" do ser humano. Segundo as leis humanas, esses atos instintivos podem parecer toleráveis e compreensíveis, mesmo quando errados. Assim, pode-se alegar que eles não devem ser punidos, já que quem os fez não é responsável por eles. A visão da Torá, porém, é diferente. É isso que aprendemos do dia do julgamento das árvores. Esses atos "vegetais" dos homens fazem parte da responsabilidade de quem os cometeu e serão cobrados no Tribunal Celestial. Da mesma forma que uma árvore pode ser cobrada apesar de seus atos serem involuntários, o homem também é cobrado por seus atos involuntários.
Pensando desta forma, o homem pode ser comparado a uma avançadíssima máquina. Um computador deve ser programado para as suas funções. Depois de programado corretamente – e definitivamente com esta intenção – o computador não se desvia das instruções da sua "memória" e, portanto, nunca erra. Ninguém diria que suas atitudes são instintivas. Da mesma forma, também não existem no homem atitudes involuntárias, instintivas. Tudo que o homem faz já foi previamente programado por ele mesmo, de forma intencional. O próprio homem pode programar sua natureza, seus instintos, para fazer somente atos bons. Neste contexto, devemos nos "programar" para, ao acordar, imediatamente abrirmos os olhos e recitarmos o "Modê Ani".
Devemos tornar parte da nossa natureza o estudo da Torá. Devemos fazer com que a vontade Divina faça parte de nós e que seu cumprimento seja simplesmente "natural". Isto não é somente uma opção, é também uma exigência do Criador para conosco. Vejamos uma explicação do Midrash que reforça essa idéia. Em um versículo do "Livro dos Salmos" (119:59), o Rei David comenta sua conduta: "Analisei meus caminhos e fiz retornarem meus pés para os Teus testemunhos". Sobre este versículo, o Midrash (Vayicrá Rabá 35:1) traz a seguinte interpretação: "Falou David: 'Senhor do mundo, todos os dias eu pensava e dizia: 'A tal lugar irei', ou: 'À casa de fulano irei', mas meus pés me levavam à sinagoga e à casa de estudos'". Ou seja, David fez com que esta fosse a sua natureza.
Quando nossa natureza é formada por atitudes que nos trazem satisfação e felicidade, pode mudar totalmente nossas vidas, pois estaremos sempre satisfeitos e completos. É justamente este o modo segundo o qual devemos servir a D'us!